Macroeconomia

O que é produtividade – 3

21 out 2020

No texto anterior, “O que é produtividade – 2”, mudamos seu conteúdo planejado, descrito no primeiro texto da série, e fizemos comparações entre produtividades econômicas e produtividades “técnicas”[1], comparando as produtividades econômicas obtidas pelas Tabelas de Recursos e Usos (TRU) e as produtividades técnicas obtidas pelas Matrizes de Insumo-Produto (MIP).

“National accounts constitute the preferred statistical source for productivity measurement. The utility of national accounts for productivity analysis can be greatly enhanced when they are set up jointly and consistently with an input-output framework”. (OECD, 2001)

I - INTRODUÇÃO

No texto anterior, “O que é produtividade – 2”, mudamos seu conteúdo planejado, descrito no primeiro texto da série, e fizemos comparações entre produtividades econômicas e produtividades “técnicas”[2], comparando as produtividades econômicas obtidas pelas Tabelas de Recursos e Usos (TRU) e as produtividades técnicas obtidas pelas Matrizes de Insumo-Produto (MIP). A diferença básica está na forma de calcular o Valor Adicionado (VA) que nas TRU é identificado como VA a preços básicos (VApb) e na MIP batizado por nós de VA líquido (VAlq), que exclui do Consumo Intermediário as margens de comércio e transportes e os impostos líquidos sobre produtos.

Nesse texto reconhecemos que não se consegue, fora de um instituto de estatística, fazer as transformações necessárias para obter as informações sobre o Consumo Intermediário (CI) a preços básicos e assim somos obrigados a trabalhar com o VApb das TRU. O ideal, como mostrado no texto anterior, seria ter variáveis sempre liquidas de margens de comércio, transporte e de impostos. Mas, enfim, é o possível.

No texto anterior chegamos entre inúmeras conclusões, a duas que afetam os resultados e que serão discutidas nesse texto: em primeiro lugar, o VAlq é sempre maior do que o VApb[3] para todas as atividades e para algumas essas diferenças são substanciais; em segundo lugar, a produtividade calculada no VA de atividades desagregadas pode chegar a resultados contrários ao cálculo do VA agregado, quer seja o VAlq ou o VApb.

A falta de alternativas melhores, apresentaremos os resultados da produtividade calculadas a partir do VApb para uma série iniciada em 2000 até 2017 com desagregação para 51 atividades. As informações a respeito do trabalho advêm das próprias TRU divulgadas pelo IBGE.

Lembrando, nosso Guia e principal fonte de inspiração é o Manual da OECD sobre a mensuração da produtividade, um dos textos mais completos e atuais sobre a questão da medida da produtividade a partir de dados estatísticos e a epígrafe deste texto, acima, é nossa orientação,[4] embora nem sempre possamos segui-la.

II - RESULTADOS

Como foi lembrado anteriormente trabalharemos com as produtividades do trabalho (VApb/PO) obtidas a partir das TRU divulgadas pelo IBGE para o período 2000 a 2017 utilizando-se o VApb e o fator trabalho representado pelo número de ocupações.[5]

II.1.  ESTÁTICA COMPARATIVA

Iniciamos com uma análise de estática comparativa utilizando três períodos selecionados. Na Tabela 1 temos as variações da produtividade separadas pelos períodos determinados: 2000-2009, 2010-2017 e 2000-2017. A escolha desses períodos se justifica por duas razões: a primeira metodológica pois 2000-2009 é um período em que o IBGE recalculou a partir do ano base de 2010 e a segunda razão se deve ao fato de 2009 ser o ano em que a crise mundial de 2008 impacta o Brasil.

Verifica-se na Tabela 1 que, de 2000 a 2017, a produtividade total da economia aumentou de forma bem modesta ao longo dos 18 anos da série apresentada: 0,8% em média ao ano, crescimento esse obtido no primeiro período, tendo ficado estagnada no segundo período.

Investigando as atividades verifica-se que apenas a agropecuária e a extrativa mineral escapam do desastre da produtividade tendo crescido 5,3% e 2,2% em média ao ano, respectivamente, crescendo também nos dois períodos intercalados. A indústria de transformação apresenta queda média de 0,6% ao ano, também negativa nos dois períodos intercalados. A atividade de eletricidade e gás, água, esgoto e atividades de gestão de resíduos tem crescimento no período integral (0,8% médios ao ano) graças ao desempenho no segundo período (2% médios ao ano). A atividade da construção tem desempenho sofrível ao longo de todo o período (-0,8% médios ao ano) devido, principalmente, ao desastre do segundo período (-2% médios ao ano), mas também teve taxa negativa no primeiro período.

A atividade de serviços privados[6] (comércio, transporte, serviços de informação e outros serviços) apresentou estagnação ao longo de todo o período com pequeno crescimento (0,1% médios ao ano) no primeiro período. Mesmo sendo um setor bastante heterogêneo seus componentes têm desempenho semelhantes ao total, à exceção dos serviços de informação que tem crescimento ao longo de todo o período. O componente outros serviços[7] apresenta resultado negativo para o total do período e para suas divisões.

Tabela 1: Variação da Produtividade (Vapb/PO) por períodos e por atividades

ATIVIDADES

2000-2009

2010-2017

2000-2017

Agricultura silvicultura exploração florestal

4,6%

6,3%

5,7%

Pecuária e pesca

3,7%

4,3%

3,9%

AGROPECUÁRIA

4,4%

5,9%

5,3%

Petróleo e gás natural

-5,8%

3,8%

-1,3%

Minério de ferro

-4,8%

2,4%

-0,8%

Outros da indústria extrativa

2,5%

0,6%

1,3%

EXTRATIVA MINERAL

0,8%

3,3%

2,2%

Alimentos e Bebidas

-2,1%

-2,2%

-2,0%

Produtos do fumo

0,1%

-3,3%

-1,4%

Têxteis

-0,6%

-4,2%

-2,0%

Artigos do vestuário e acessórios

-5,1%

0,6%

-2,0%

Artefatos de couro e calçados

-2,1%

0,6%

-0,8%

Produtos de madeira - exclusive móveis

-2,7%

3,7%

0,6%

Celulose e produtos de papel

1,5%

0,3%

0,9%

Jornais revistas discos

-0,2%

-2,7%

-1,2%

Refino de petróleo e coque

-3,6%

3,0%

-2,3%

Álcool

0,6%

1,8%

1,1%

Produtos químicos

0,5%

-3,6%

-1,1%

Fabricação de resina e elastômeros

-4,6%

-0,7%

-2,6%

Defensivos agrícolas

-4,4%

-5,0%

-2,9%

Tintas vernizes esmaltes e lacas

2,1%

0,4%

1,5%

Produtos e preparados químicos diversos

-4,0%

-3,2%

-3,7%

Química

-2,4%

-0,5%

-2,2%

Produtos farmacêuticos

2,3%

0,2%

0,9%

Perfumaria higiene e limpeza

-0,4%

4,6%

1,6%

Artigos de borracha e plástico

-2,9%

-0,5%

-1,6%

Cimento e outros produtos de minerais não-metálicos

-0,3%

-1,3%

-0,9%

Fabricação de aço e derivados

-3,5%

0,3%

-1,1%

Metalurgia de metais não-ferrosos

-2,8%

1,6%

-0,4%

Produtos de metal - exclusive máquinas e equipamentos

-1,0%

-0,1%

0,2%

Metalurgia

-2,2%

0,3%

-0,3%

Máquinas e equipamentos inclusive manutenção e reparos

-5,7%

-0,4%

-2,7%

Eletrodomésticos e material elétrico

-1,2%

-0,1%

-0,7%

Máquinas para escritório aparelhos e material eletrônico

0,2%

8,3%

3,5%

Material elétrico e eletrônico

-0,5%

4,4%

1,5%

Automóveis camionetas caminhões e ônibus

2,9%

-4,2%

0,5%

Peças e acessórios para veículos automotores

-4,1%

-2,9%

-2,7%

Outros equipamentos de transporte

0,1%

-1,1%

-0,7%

Equipamentos de transportes

-0,9%

-2,9%

-1,2%

Móveis e produtos das indústrias diversas

0,3%

0,0%

0,4%

INDUSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO

-1,2%

-0,7%

-0,6%

ELETRICIDADE E GÁS, ÁGUA, ESGOTO, ATIVIDADES DE GESTÃO DE RESÍDUOS

-0,1%

2,0%

0,8%

CONSTRUÇÃO CIVIL

-0,4%

-2,0%

-0,8%

 

Tabela 1: Variação da Produtividade (Vapb/PO) por períodos e por atividades (continuação)

ATIVIDADES

2000-2009

2010-2017

2000-2017

COMÉRCIO

0,2%

-1,3%

0,1%

TRANSPORTE, ARMAZENAGEM E CORREIO

0,1%

-2,1%

-0,5%

SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO

0,2%

1,3%

0,7%

Serviços de manutenção e reparação

0,6%

-3,3%

-1,4%

Serviços de alojamento e alimentação

1,5%

-1,7%

0,3%

Serviços prestados às empresas

-2,0%

-1,4%

-1,7%

Educação mercantil

-1,7%

-2,4%

-1,9%

Saúde mercantil

-1,0%

-4,4%

-2,7%

Serviços prestados às famílias e associativas

-0,2%

-1,0%

-0,1%

Serviços domésticos

0,3%

1,3%

1,2%

OUTROS SERVIÇOS

-0,2%

-1,1%

-0,3%

SERVIÇOS PRIVADOS (Comércio + Tranporte, armazenagem e correio + Serviços de informação + Outros serviços)

0,1%

-1,1%

0,0%

INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA, SEGUROS E PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR E SERVIÇOS RELACIONADOS

4,6%

-1,0%

2,2%

ATIVIDADES IMOBILIÁRIAS E ALUGUÉIS

3,6%

-1,5%

1,1%

Educação pública

-2,4%

-1,6%

-2,2%

Saúde pública

2,1%

-1,7%

0,1%

Administração pública e seguridade social

0,0%

2,0%

0,8%

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

-0,7%

0,1%

-0,4%

TOTAL

0,9%

0,0%

0,8%

Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados das Contas Nacionais do IBGE.

Examinando a indústria de transformação desagregada observam-se alguns de seus grandes componentes com resultados positivos de produtividade entre 2000 e 2017, como são os casos de: (i) produtos de madeira – exclusive móveis; (ii) celulose e produtos de papel, (iii) produtos farmacêuticos, (iv) perfumaria, higiene e limpeza, (v) material elétrico e eletrônico, e (vi) móveis produtos das indústrias diversas. Embora em minoria, tendo em vista que a desagregação contemplada dessa atividade é em 18 grandes atividades, esses casos mostram que tratar a indústria de transformação como um ente homogêneo pode levar a análises distorcidas. A mesma observação serve ao setor de serviços, onde a heterogeneidade entre a produtividades do trabalho das atividades é ainda mais evidente.

II.2.  A DINÂMICA DA PRODUTIVIDADE – 2000-2017

Nesta seção ao invés de se escolher períodos para comparação avalia-se a evolução da produtividade por todo o período. O Gráfico 1 mostra a evolução da produtividade dos grandes setores de atividade econômica. Destaca-se a agropecuária cuja produtividade cresce initerruptamente durante todo o período multiplicando-a por 2,4 vezes com desempenho semelhante de seus dois componentes – produção vegetal e produção animal. Isso se deve notadamente aos produtos para exportação.

A segunda atividade com maior crescimento da produtividade é a extrativa mineral que cresceu 1,4 vezes ao longo do período apesar do revés na crise financeira de 2009 e em seguida, devido a corrupção sofrida pela Petrobrás até 2014. A produtividade da extração de minério também sofreu reveses com os desastres ambientais que causou. O componente ‘outros minerais não-metálicos’ apresenta produtividade crescente durante todo o período e a ele se deve o desempenho da atividade.

A produtividade da atividade de construção fica praticamente estagnada até 2009, cresce até 2013 e despenca daí em diante terminando o período 13 pontos de percentagem abaixo de 2000. A produtividade de eletricidade e gás, água e esgoto e atividades de gestão de resíduos se manteve estagnada abaixo ou de forma igual ao seu valor inicial até 2013 e cresce daí em diante, terminando o período 15% acima da produtividade inicial.

 

Conforme apontado no Gráfico 1, a indústria de transformação termina o período analisado com produtividade abaixo da inicial em cerca de 10,3%. Para entender e avaliar a razão desse desempenho ruim da indústria de transformação, foram analisados dois grupos de atividades da transformação. No Gráfico 2 é apresentado o primeiro grupo de 12 de atividades cuja característica é terem apresentado recuo de produtividade entre 2000 e 2017 e, alguns casos quedas em relação ao início entre 20 e 60% ao fim do período.

O segundo grupo, apresentado no Gráfico 3, é composto pelas seis atividades da indústria de transformação que apresentaram produtividade ligeiramente acima da inicial.

Outra queda de produtividade importante registrada no Gráfico 1 foi nos serviços privados, que recuaram 0,8%. De acordo com o gráfico, a atividade ficou praticamente estagnada ao longo do período. Como já mencionado anteriormente, a atividade de serviços recebeu um tratamento especial neste trabalho e seu total refere-se aos serviços das Contas Nacionais excluindo as atividades de administração pública, intermediação financeira e serviços imobiliários. A razão para isso reside no fato de a administração pública ter como Valor Adicionado o salário dos funcionários públicos que dependem de injunções políticas de fora do mercado de trabalho. Por sua vez, os serviços imobiliários têm grande parte do seu VApb acrescido de imputação de aluguéis dos proprietários dos imóveis. Finalmente o VApb da intermediação financeira depende da imputação dos serviços indiretos que é função das taxas Selic e as praticadas no mercado, também sem relação com a eficiência econômica.     Como pode ser visto no Gráfico 4, tanto a atividade de serviços imobiliários quanto a intermediação financeira apresentaram crescimento espetacular da produtividade do trabalho entre 2000 e 2017 de 21% e 44%, respectivamente, e terminaram o período acima de suas produtividades iniciais. Tal comportamento distorce a evolução da produtividade do agregado de serviços das Contas Nacionais.

Os demais componentes do Gráfico 4 compõem a atividade se serviços privados elaborada neste trabalho e, dentre eles, se destaca a evolução dos serviços de informação que apresentam crescimento de 14% no período em comparação ao início. O comércio teve bom desempenho, crescendo a partir de 2007 até 2014, quando começou a recuar terminando o período com a mesma produtividade inicial.

III. CONCLUSÃO

Nesta etapa de nosso estudo é feita uma análise da produtividade seguindo os cânones de nossa orientação: todas as informações têm origem no Sistema de Contas Nacionais, usando as TRU disponíveis, a despeito de não ser possível trabalhar com o conceito de VAlq desenvolvido no segundo texto de nosso estudo.

Verificou-se que, tanto pela análise de estática comparativa quanto pela análise dinâmica, os resultados pouco diferem, embora esta última permita visualizar melhor a evolução do fenômeno da produtividade. O resultado para o Brasil é bastante decepcionante e preocupante. A exceção da agropecuária e da extrativa mineral as demais atividades econômicas têm resultado de produtividade pífios e alguns inferiores à produtividade inicial.

Além da extrativa mineral, a única atividade industrial que conseguiu terminar o período de 17 anos com produtividade acima do início, em 2000, é a eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos. As indústrias de construção e transformação terminaram o período bem abaixo de seus resultados iniciais. Na indústria de transformação apenas seis atividades entre as 18 desagregadas conseguiram terminar com produtividades superiores à do início.

Nas atividades de serviços privados (comércio, transporte, serviços de informação e outros serviços), após um breve período de 2010 a 2013 de desempenho razoável, suas produtividades voltam a recuar e terminam o período praticamente no mesmo nível em que iniciou. Num exame mais desagregado dos componentes dessa atividade apenas serviços de informação e o comércio conseguem terminar o período acima de como começaram.

De fato, produtividade não é nosso caso de sucesso.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 


[1] No sentido de ter relações entre valores que estejam o mais próximo possível das relações ideais em quantidades.

[2] No sentido de ter relações entre valores que estejam o mais próximo possível das relações ideais em quantidades.

[3] O VApb poderia ser maior que o VAlq quando se tem subsídios fortes.

[4] OECD (2001), Measuring Productivity - measurement of aggregate and industry-level productivity growth, OECD Manual, Paris.

[5] Um arquivo contendo o VApb a preços correntes e a preços constantes de 2017, o total de ocupações, a produtividade, ano a ano de 2000 a 2017 pode ser obtido com os autores do blog.

[6] Exclui do total de serviços das Contas Nacionais as atividades de serviços imobiliários, intermediação financeira e administração pública por razões abaixo apontadas.

[7] Composto pelas atividades de alojamento, alimentação, educação privada, saúde privada, serviços prestados às empresas, serviços prestados às famílias e serviços domésticos.

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