Pandemia da Covid-19 aumenta a incerteza sobre a interpretação dos indicadores de PTF no Brasil em 2020
A elevação atípica da PTF em 2020 precisa ser interpretada com cautela, já que ela pode ter decorrido do impacto profundo da pandemia no mercado de trabalho, afetando principalmente os trabalhadores informais e aqueles de menor escolaridade, que são menos produtivos.
Com o fim do bônus demográfico, a única forma de aumentar a renda per capita do Brasil nas próximas décadas será por meio da elevação da produtividade do trabalhador. Por isso, discussões sobre o tema da produtividade ganham cada vez mais importância no meio acadêmico e entre os formuladores de política econômica.
Uma das medidas amplamente utilizadas é a produtividade do trabalho, que consiste no Valor Adicionado gerado por trabalhador ou por hora trabalhada. Esta variável, no entanto, não permite avaliar o grau de eficiência com que são utilizados os recursos produtivos. Um indicador que permite esta análise é a produtividade total dos fatores (PTF), que leva em consideração não somente a produtividade da mão-de-obra, mas também a eficiência do uso de capital.
Vários pesquisadores construíram indicadores de PTF para a economia brasileira, mas muitas vezes os dados não estão disponíveis para um público mais amplo ou a metodologia utilizada em sua construção não é descrita em detalhe.[1] Para suprir essas lacunas, o FGV IBRE passou a disponibilizar no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli indicadores anuais da PTF desde o início da década de 1980.
Neste sentido, este relatório tem o objetivo de analisar a evolução anual da PTF no Brasil desde 1981, com ênfase em seu comportamento em 2020.[2] O Gráfico 1 mostra a evolução da PTF e da produtividade por hora trabalhada, de modo a permitir uma análise das diferenças existentes entre as duas medidas.[3]
Gráfico 1: Evolução da PTF e da produtividade por hora trabalhada. Brasil. (1981=100)
Fonte: Elaboração IBRE/FGV
O Gráfico 1 mostra que, embora o comportamento da PTF seja correlacionado com a dinâmica da produtividade do trabalho, a PTF cresceu menos que a produtividade por hora trabalhada entre 1981 e 2020. Enquanto a PTF cresceu 0,5% ao ano (a.a.) neste período, a produtividade por hora trabalhada apresentou avanço de 0,9% a.a., como mostra a Tabela 1.
Tabela 1: Crescimento da PTF e da produtividade por hora trabalhada (em % ao ano)
Brasil – períodos selecionados
Períodos |
PTF |
Produtividade por Hora Trabalhada |
1981-1990 |
-0,6% |
-0,5% |
1990-2000 |
0,5% |
0,7% |
2000-2010 |
1,5% |
1,6% |
2010-2020 |
0,5% |
1,6% |
2010-2014 |
0,4% |
1,2% |
2014-2019 |
-0,4% |
-0,2% |
2014-2020 |
0,6% |
1,8% |
1981-2020 |
0,5% |
0,9% |
Fonte: Elaboração FGV IBRE com dados das Contas Nacionais, Pnad, Pnad Contínua e Sondagem da Indústria
Com exceção do período 2010-2020, a PTF teve crescimento próximo da produtividade por hora trabalhada nas últimas décadas. Por exemplo, entre 1981 e 1990, enquanto a PTF apresentou queda de 0,6% a.a., a produtividade por hora trabalhada recuou 0,5% a.a. Na década de 1990 houve uma recuperação, com crescimento da PTF e da produtividade por hora trabalhada de 0,5% a.a. e 0,7% a.a., respectivamente. Nos anos 2000 a PTF teve forte aceleração para uma taxa de crescimento de 1,5%, muito próxima da elevação anual da produtividade do trabalho (1,6% a.a.). Já no período 2010-2020 houve um descolamento entre as duas variáveis, com aumento da produtividade por hora trabalhada de 1,6% a.a. e da PTF de apenas 0,5% a.a.
Analisando-se este último período em mais detalhe, e considerando o crescimento das séries até o ano de 2019, podemos notar que esta discrepância se concentrou entre os anos de 2010 a 2014, quando a produtividade por hora trabalhada cresceu em média 1,2% a.a. e a PTF aumentou apenas 0,4% a.a. A recessão que durou de 2014 a 2016 teve impacto negativo tanto na PTF quanto na produtividade por hora trabalhada. Em particular, entre 2014 e 2019, a PTF recuou 0,4% a.a., e a produtividade do trabalho recuou 0,2% a.a.
No entanto, ao incluirmos o ano de 2020 na análise, podemos notar forte discrepância entre o crescimento da produtividade do trabalho e da PTF também no subperíodo que vai de 2014 a 2020, em função do avanço mais acentuado, em 2020, da produtividade por hora trabalhada (12,4%) do que da PTF (6,2%), como discutiremos adiante.[4]
De modo a entendermos a razão dessas diferenças e quantificar a contribuição da PTF para o crescimento da economia brasileira, a Tabela 2 apresenta uma decomposição do crescimento do valor adicionado desde 1981 na contribuição de três componentes: estoque de capital em uso, horas trabalhadas e PTF.
O texto completo contendo a análise histórica dos indicadores de PTF pode ser acessado pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli.
[1] Para uma discussão sobre várias medidas de PTF para a economia brasileira, ver Veloso et. al (2013).
[2] Para maiores detalhes sobre a metodologia de cálculo da PTF, acesse a “Nota Metodológica dos Indicadores Anuais de Produtividade Total dos Fatores no Brasil desde a Década de 1980”, proposta por Veloso, Matos e Peruchetti (2020a) e disponível no Observatório da Produtividade Regis Bonelli através do link: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade/artigos/nota-metodologica-dos-indicadores-anuais-de-produtividade-total
[3] Em geral, a literatura de produtividade do trabalho no Brasil utiliza a população ocupada como medida deste insumo. No entanto, isso não leva em consideração a tendência observada em diversos países, inclusive no Brasil, de redução da jornada de trabalho. Em consequência, o crescimento do fator trabalho pode estar sendo superestimado quando se usa o número de pessoas empregadas, o que por sua vez resulta em um cálculo subestimado do aumento da produtividade. Em função disso, utilizaremos as horas totais trabalhadas no cálculo das medidas de produtividade do trabalho apresentadas neste relatório. Com o intuito de analisar as diferenças entre as medidas de PTF calculadas com base em medidas distintas do fator trabalho, apresentamos no apêndice os resultados que consideram o número de pessoas ocupadas como medida do fator trabalho utilizado no cálculo do indicador. Para uma análise detalhada da evolução da produtividade por hora trabalhada desde 1981, ver Veloso, Matos e Peruchetti (2020b), disponível no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli através do seguinte link: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade/artigos/produtividade-do-trabalho-cresce-em-2020-mas-interpretacao-deste
[4] Para uma análise mais detalhada do comportamento da produtividade do trabalho em 2020, acesse: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/indicadores_trimestrais_de_produtividade_do_trabalho_-_4t2020_-_final.pdf
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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