Mais uma década perdida de investimentos
Na década atual, o Brasil passou por uma profunda recessão entre 2014 e 2016, uma recuperação lenta e gradual no triênio posterior e, em 2020, a tragédia da pandemia do COVID-19 e seus efeitos na economia. Com isso, a década que este ano finda (2011-20) será a pior década, em termos de crescimento econômico, dos últimos 120 anos, com um crescimento nulo neste período.[1]
No seu início, a “década perdida atual” apresentou uma taxa média de crescimento de 3% a.a., entre 2011 e 2013. De 2014 a 2016 a economia entrou em recessão e quando saiu ficou praticamente estagnada com um crescimento médio de 1% a.a. de 2017 a 2019. Diante deste quadro, os últimos sete anos (2020, inclusive) foram desastrosos do ponto de vista de crescimento econômico.
Um dos principais componentes do PIB pelo lado da demanda e motor do crescimento, são os investimentos (formação bruta de capital fixo, que compreende o investimento privado e público), que correspondem, em média, a 17,6% do PIB na década atual.[2] Na segunda metade dos anos 2010, as taxas de investimentos (% PIB) do Brasil apresentaram o menor nível dos últimos 50 anos. E tem sido o fraco desempenho desse componente um dos principais responsáveis pela fraqueza da atividade econômica dos últimos anos.
Com a recessão mundial de 2020, os investimentos estão sendo muito impactados, no Brasil e no mundo. De acordo com o Monitor do PIB-FGV, a taxa acumulada em 12 meses até agosto deste ano da formação bruta de capital fixo era de -3,0%. Segundo as projeções do Banco Central, divulgadas no Relatório de Inflação de setembro, os investimentos vão apresentar um recuo de 6,6% em 2020.
Nas “Estatísticas do Século XX” do IBGE[3] há informações do nível da formação bruta de capital fixo do Brasil desde 1901 (portanto, taxas de variação desde 1902).[4] Com estas informações do “Estatísticas do Século XX” até 1946, e a partir de 1947 do Sistema de Contas Nacionais do IBGE, e as projeções do Relatório de Inflação (de setembro) do BCB para 2020, construímos o Gráfico 1, com as taxas médias reais de crescimento dos investimentos das últimas doze décadas no Brasil.[5] No gráfico, também colocamos as taxas de crescimento do PIB.[6]
Observa-se, que a década atual (2011-20) será a terceira “década perdida” dos investimentos (formação bruta de capital fixo) dos últimos 120 anos, com uma queda média de 2,2% ao ano, consequência da forte recessão de 2014/16, da recuperação lenta e gradual da economia de 2017 a 2019, e com a crise de 2020, relacionada à pandemia.
Com a estimativa do recuo de 6,6% do investimento em 2010, A década 2011-20 terá uma queda média dos investimentos de 2,2% ao ano. Entretanto, nos anos de 2011, 2012 e 2013, o crescimento médio dos investimentos foi de 4,4%.[7] Com isso, a queda média 2014-20, considerando um recuo de 6,6% (projeção do RTI do BCB) para 2020 seria de -5,0% ao ano. Ou seja, os últimos sete anos da década 2011-20 foram desastrosos.
E, caso em 2020 não tivesse tido o coronavírus, e o crescimento real dos investimentos neste ano fosse 4,1% (projeção no Relatório de Inflação do BCB, de dezembro de 2019), mesmo assim seria uma "década perdida" dos investimentos. A taxa média de variação entre 2011-2020 seria negativa, de -1,2% ao ano, ao invés de -2,2%. Ou seja, a crise do coronavírus agravou a já crítica situação brasileira, de baixo crescimento e investimentos fracos, pois o Brasil entrou numa nova recessão, sem ter se recuperado totalmente das perdas da recessão anterior.[8]
Além da década atual, outros dois períodos de dez anos apresentaram um recuo médio dos investimentos. A década de 1911-20 apresentou um recuo médio de 3,5% ao ano, com fortes quedas em 1914 e 1915 (Primeira Guerra Mundial), e 1917 e 1918 (Gripe Espanhola).[9] Estes períodos apresentaram um recuo médio dos investimentos maior do que os anos 80 e do que a década atual. Em 1914, ano inicial da Ia GM, foi o ano em que o Brasil apresentou a maior queda dos investimentos (-60,3%, comparado a 1913). Naquele ano, o PIB per capita mundial recuou 4,4%, de acordo com dados do Banco Mundial, tendo sido a terceira maior queda de PIB entre as 13 recessões mundiais. As outras duas maiores quedas da renda per capita global foram nos períodos 1930-32, após a Crise de 1929; e 1945-46, com a IIa GM.[10]
O outro período de queda real dos investimentos no Brasil foi a década de 1980, período conhecido como “década perdida”, pela fraqueza da atividade econômica, onde a formação bruta de capital fixo apresentou uma queda média de 2,6%, ao ano. Nesses quase 120 anos de informações disponíveis, em somente duas oportunidades ocorreram quatro anos consecutivos de queda dos investimentos, nas décadas de 1980 e 2010.[11]
Entre 1902 e 2019, a taxa média de crescimento dos investimentos foi de 5,2%, muito acima dos resultados das últimas décadas. Porém, este resultado foi bastante influenciado pelas altas taxas das primeiras décadas do que das décadas mais recentes. Na primeira metade (1902-1960) do período analisado, a taxa média real de crescimento foi de 7,2% ao ano. Já na segunda parte (1961-2019), o crescimento médio foi de 3,4%, menos da metade do período anterior. E, se restringirmos mais ainda, para as últimas quatro décadas, sendo duas “perdidas”, com taxas de crescimento negativas, a taxa média real de crescimento da formação bruta de capital fixo foi de 0,7%, entre 1981 e 2019. Se considerarmos as projeções do BC para 2020 (-6,6%), a taxa média entre 1981 e 2020 passa para 0,5% ao ano[12] (Gráfico 2).
O Gráfico 3 mostra a taxa de investimentos em proporção do PIB por décadas, também utilizado como fonte as “Estatísticas do Século XX” e o Sistema de Contas Nacionais do IBGE.[13] A questão da taxa de investimento pode dar uma falsa impressão, pois justamente nos anos 80 (‘década perdida”), quando os investimentos recuaram 2,6% ao ano, em média, a taxa de investimentos em proporção do PIB foi a mais alta (21,9%) de todas as décadas, junto com os anos 70. Naquela década (1971-80), tanto o PIB quanto os investimentos cresceram fortemente (8,6% e 10,2% em média e a.a., respectivamente). Já na década de 80, enquanto o PIB cresceu pouco (1,6% a.a., em média), o investimento recuou. Por isso que a taxa de investimento tem que ser avaliada de uma dupla maneira, levando-se em consideração tanto a evolução do nível do PIB quanto do nível dos investimentos.
Na década atual, a taxa de investimento, apesar de ser a mais baixa desde os anos 60, está num nível relativamente alto (17,6% do PIB), ao se comparar com as décadas passadas. Porém, nesse período, caso as projeções se confirmem, o PIB terá ficado estagnado, com queda dos investimentos, cenário parecido da década de 1980 (PIB fraco e investimentos negativos), e completamente diferente dos anos 2000 (crescimento médio de 3,7% do PIB e de 5,1% dos investimentos, a.a.). E, mesmo com cenários muito distintos da economia nas duas últimas décadas, a diferença da taxa de investimento entre 2001-10 e 2011-20 é de apenas 0,6 p.p. (18,2% e 17,6%, respectivamente).
A pior consequência deste período de fraqueza da atividade econômica e dos investimentos no Brasil é o alto desemprego e a crítica situação do mercado de trabalho, com dezenas de milhões de brasileiros numa situação mais vulnerável do mercado de trabalho, considerando-se desempregados, desalentados, subocupados e informais. Esta situação já era anterior á crise do coronavírus, e se agravou com a recessão deste ano.
Caso não fosse o auxílio emergencial, que beneficiou mais de 65 milhões de brasileiros,[14] a queda do PIB seria mais forte ainda, e a situação desses milhões de brasileiros, seria muito pior. No contexto atual, a incerteza brasileira está bastante alta,[15] o que contribui para os investimentos serem tímidos e a década a ser cada vez “mais perdida”. Diminuir as incertezas e voltar a agenda de reformas no pós-crise vai ser fundamental no processo de retomada da economia, para reduzir as perdas acumuladas das duas recessões (2014-16 e 2020) da década atual e aumentar os investimentos. Com mais investimentos, o PIB pode crescer mais e gerar mais empregos o que, em última análise, é o mais importante!
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Para 2020, considera-se a projeção do Boletim Focus (-5,0%) de 16/10/20.
[2] Taxa média entre 2011 e 2020, sendo o dado de 2020 a média do primeiro semestre.
[3] Fontes: Villela, A.; Suzigan, W. Política do governo e crescimento da economia brasileira 1889-1945. Rio de Janeiro: IPEA:INPES, 1973. p. 424-425, 439-440. (Série monográfica, 10); Contador, C. R.; Haddad, C. Produto real, moeda e preços: a experiência brasileira no período 1861-1970. Rio de Janeiro: IPEA, 1975; Suzigan, W. A indústria brasileira : origem e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1986; Abreu, M. de P. ; Verner, D. Long-term brazilian economic growth 1930-1994. Paris: OECD, 1997. (Development Centre Studies. Long-term growth series/OCDE); dados de 1947/1990: IBGE, Sistema de Contas Nacionais; 1990/2000: IBGE, Novo Sistema de Contas Nacionais; IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de Contas Nacionais.
[4] A primeira década compreende o período entre 1902 e 1910.
[5] Os dados mais antigos, principalmente do período 1902-10, talvez possam ser menos fidedignos do que os mais recentes, pela dificuldade de se obter e reconstruir os dados históricos.
[6] Séries do Ipeadata e IBGE.
[7] 6,8%, 0,8% e 5,8%, respectivamente.
[8] Com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE, a formação bruta de capital fixo estava, no final de 2019, 26,6% abaixo do nível pré-recessão (1T14) brasileira de 2014/16. Com a crise de 2020, os investimentos recuaram mais 13,5% (2T20 em comparação com o 4T19). E com as perdas das duas recessões, os investimentos estão 36,5% abaixo do patamar do começo de 2014.
[9] -60,3%, -47,0%, -21,7% e -31,3%, respectivamente.
[10] Para a recessão global de 2020, a décima-quarta desde 1876, o Banco Mundial projeta uma queda de 6,2% do PIB per capita mundial.
[11] O recuo médio dos anos 80 foi de -9,1% ao ano; e o recuo médio dos anos 2010 foi de -8,3%. Caso a formação bruta de capital fixo recuasse neste ano 13,8%, como eram as projeções divulgadas pelo Banco Central, no Relatório de Inflação de junho, a década 2011-2020 apresentaria uma queda média dos investimentos superior ao recuo dos anos 1980 (-3,0% e -2,6%, respectivamente).
[12] Caso em 2020 não tivesse tido o coronavírus, e o crescimento real dos investimentos neste ano fosse 4,1%, a média 1980-2020 seria de crescimento de 0,8% ao ano.
[13] Os dados da taxa de investimento (% PIB) começam em 1908, por isso, o primeiro período corresponde é da média entre 1908 e 1910. E o dado de 2020 é a média do primeiro semestre do ano.
[14] Apesar das fraudes, com pessoas que não deveriam ter recebido, mas conseguiram receber, e o contrário também, com pessoas vulneráveis, que necessitavam do dinheiro, mas não chegaram a receber.
[15] E maior do que praticamente o mundo todo, segundo artigo da economista Anna Carolina Gouveia, publicado no Blog do IBRE.
Deixar Comentário