Apesar de ligeiro avanço na margem, PTF fecha o ano de 2022 em queda e se mantém abaixo da tendência pré-pandemia
Em 2022, o desempenho da PTF foi bastante negativo, indicando que os efeitos positivos nos indicadores de PTF em 2020 foram temporários, sendo revertidos ao longo de 2021 e 2022.
Os eventos associados à pandemia da Covid-19 tiveram impactos negativos sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho e elevaram de forma extraordinária o nível de incerteza em relação à dinâmica dos indicadores de produtividade, especialmente no Brasil.
Uma das medidas amplamente utilizadas é a produtividade do trabalho, que consiste no valor adicionado gerado por trabalhador ou por hora trabalhada. Esta variável, no entanto, não permite avaliar o grau de eficiência com que são utilizados os recursos produtivos. Um indicador que permite esta análise é a produtividade total dos fatores (PTF), que leva em consideração não somente a produtividade da mão de obra, mas também a eficiência do uso de capital.
Recentemente, o Federal Reserve Bank (FED) de São Francisco divulgou os resultados da produtividade total dos fatores dos Estados Unidos referentes ao quarto trimestre de 2022. Os dados indicaram uma elevação anualizada da PTF de 1,4% em relação ao terceiro trimestre de 2022. No entanto, uma medida de PTF que faz um ajuste em função do grau de utilização dos fatores de produção revelou um aumento da PTF de 4,3% na mesma base de comparação.[1]
No Brasil, com base na divulgação das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua, por parte do IBGE, bem como da Sondagem da Indústria, pelo FGV IBRE, é possível construir o indicador de PTF de periodicidade trimestral, que permite uma análise conjuntural deste que é o principal motor do crescimento econômico.[2]
Desde 2019 o Observatório da Produtividade Regis Bonelli tem divulgado estatísticas de PTF usando como medida do fator trabalho tanto o número de pessoas ocupadas quanto o total de horas trabalhadas. Esta última medida considera duas informações sobre o total de horas trabalhadas. A primeira são as horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações, obtidas da PNAD Contínua, que têm como referência uma semana em que não haja situações excepcionais que alterem a duração rotineira do trabalho, ou seja, uma semana típica de trabalho.[3]
A PNAD Contínua também fornece informações sobre as horas efetivamente trabalhadas na semana de referência, que podem incluir reduções por motivo de doença, feriado, falta voluntária, atraso ou por outra razão, bem como aumentos por conta de pico de produção e compensação de horas não trabalhadas em outro período.
Até o início da pandemia, os resultados obtidos a partir das duas medidas de horas trabalhadas eram semelhantes. No entanto, em função das medidas de distanciamento social necessárias para conter os efeitos da pandemia, desde o primeiro trimestre de 2020[4] os dados da PNAD Contínua passaram a revelar um descolamento entre as duas medidas de horas trabalhadas, o qual foi particularmente forte no segundo trimestre, com redução muito mais pronunciada das horas efetivamente trabalhadas que das horas habitualmente trabalhadas e do pessoal ocupado. Esta discrepância diminuiu a partir de 2021, devido ao processo que se iniciou de normalização da economia e consequentemente das horas efetivamente trabalhadas.[5]
Além da disrupção observada no mercado de trabalho, a pandemia da Covid-19 também provocou um forte descolamento entre o crescimento do valor adicionado e do estoque de capital em uso, que é outro fator de produção utilizado para o cálculo da PTF, tal como apresentado no Gráfico 1.[6]
Gráfico 1: Taxa de crescimento do valor adicionado
e do estoque de capital em uso –
(Em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil
Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração do FGV IBRE
com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e Sondagem da Indústria.
Apesar da volatilidade do estoque de capital em uso, seu crescimento e do valor adicionado sempre estiveram próximos até o quarto trimestre de 2019. No entanto, com o início da pandemia de Covid-19 no primeiro trimestre de 2020, esse cenário começou a mudar, em especial no segundo trimestre de 2020, com queda no estoque de capital em uso bem maior que a redução observada no valor adicionado. Esta discrepância está relacionada ao recuo no segundo trimestre, para níveis historicamente baixos, do nível de utilização da capacidade instalada (NUCI).[7] A melhora do NUCI no terceiro trimestre de 2020 amenizou esta discrepância entre o crescimento do valor adicionado e o estoque de capital em uso.
Ao longo de 2021, ambas as medidas apresentaram crescimento positivo, sendo o avanço do valor adicionado bem próximo do observado no estoque de capital em uso. Este cenário se manteve em 2022. Em particular, no quarto trimestre de 2022 o crescimento interanual do estoque de capital em uso foi de 1,4% e o do valor adicionado de 1,8%. Este crescimento do estoque de capital em uso observado ao longo dos últimos trimestres tem ocorrido em função de uma melhora no nível de utilização, que tem apresentado forte recuperação depois da queda no segundo trimestre de 2020.
O Gráfico 2 mostra a taxa de crescimento da PTF em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, considerando as várias medidas do fator trabalho.
Gráfico 2: Taxa de crescimento da PTF (em % e em relação
ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil
Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração do FGV IBRE com base
nas Contas Nacionais Trimestrais, Pnad Contínua (IBGE) e Sondagem da Indústria (FGV).
Os fatos estilizados sobre a dinâmica da PTF no Brasil até o quarto trimestre de 2019 não dependem da métrica considerada. No entanto, os dados do Gráfico 2 mostram que em 2020, em especial no segundo trimestre, houve forte descolamento na PTF a partir das três medidas, com elevação muito mais pronunciada da métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas, quando comparada com a métrica que considera o número de pessoas ocupadas e o total de horas habitualmente trabalhadas.
Já entre o terceiro e quarto trimestre de 2020, foi possível notarmos uma redução na discrepância entre o crescimento da PTF nas diferentes métricas, em função principalmente da desaceleração do crescimento do indicador que considera as horas efetivamente trabalhadas como medida do fator trabalho.[8] Além disso, os dados revelam uma piora considerável no crescimento interanual da PTF desde o primeiro trimestre de 2021, com quedas interanuais em todas as métricas desde o segundo trimestre.[9]
Em 2022, o cenário de queda interanual das medidas de PTF se manteve. Em particular, no quarto trimestre de 2022 houve recuo de 0,4% na métrica que considera o total de horas efetivamente trabalhadas, de 0,9% na medida que considera o total de horas habitualmente trabalhadas e de 1,0% na métrica que considera o número de pessoas ocupadas.[10]
Uma outra forma de analisar a dinâmica dos indicadores de PTF é a partir das séries que descontam os efeitos sazonais de cada trimestre, ou seja, com base nas séries dessazonalizadas. O Gráfico 3 mostra a taxa de crescimento dos indicadores de PTF em relação ao trimestre imediatamente anterior.[11]
Gráfico 3: Taxa de crescimento da PTF (por hora habitualmente trabalhada,
por hora efetivamente trabalhada e por pessoal ocupado -
em % em relação ao trimestre imediatamente anterior) – Brasil
Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração do FGV IBRE
com base nas Contas Nacionais Trimestrais, Pnad Contínua (IBGE) e Sondagem da Indústria (FGV).
Após uma elevação no segundo trimestre de 2020 próxima de 6% nas métricas que consideram o número de pessoas ocupadas e as horas habituais, houve uma piora em ambas as medidas no terceiro e no quarto trimestre de 2020. Além disso, ambas as medidas apresentaram sucessivas quedas ao longo de 2021. Já no caso do indicador que considera as horas efetivamente trabalhadas, após forte elevação de 17,2% no segundo trimestre de 2020, em 2021 ocorreram sucessivas quedas nesta medida de PTF.
Em 2022, o desempenho da PTF também foi bastante negativo. Após um fraco desempenho no primeiro trimestre, houve queda entre o primeiro e o terceiro trimestre e ligeira elevação no quarto trimestre. Em particular, nas métricas que consideram o número de pessoas ocupadas, o total de horas efetivas e o total de horas habituais, o avanço no quarto trimestre de 2022 foi de 0,5%, 0,4% e 0,5%, respectivamente.
Estes resultados indicam que os efeitos positivos nos indicadores de PTF em 2020 foram temporários, sendo revertidos ao longo de 2021. Este padrão transitório fica particularmente evidenciado quando consideramos a evolução da trajetória da PTF desde o quarto trimestre de 2019 (Gráfico 4).
Acesse a análise completa no Observatório da Produtividade Regis Bonelli.
[1] Em 2022 houve queda de 0,7% na medida de PTF que desconsidera o ajuste de utilização dos fatores e redução de 0,1% na medida que considera este ajuste.
[2] As séries trimestrais de PTF e de produtividade do trabalho estão disponíveis no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade. No site também se encontram disponíveis notas metodológicas que descrevem a construção dos indicadores trimestrais de produtividade do trabalho e PTF.
[3] O total de horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações corresponde ao produto da jornada média pelo número de pessoas ocupadas.
[4] Na nota que divulgamos referente aos resultados da produtividade do trabalho no primeiro trimestre de 2020 já havíamos chamado atenção para a queda mais forte das horas efetivas em comparação com as horas habituais em função dos efeitos iniciais da pandemia no mercado de trabalho. O texto pode ser acessado através do link: https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/indicadores_trimestrais_de_produtividade_do_trabalho_-_1t2020_final.pdf
[5] Para mais detalhes, acesse o último relatório contendo os resultados sobre os indicadores de produtividade do trabalho no 3º trimestre de 2022, disponíveis no site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli no link: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade/artigos/categorias/relatoriosnotas-tecnicas
[6] O estoque de capital em uso é obtido a partir do produto entre o estoque de capital e o nível de utilização da capacidade instalada (NUCI) da indústria de transformação calculada pelo FGV IBRE, e usada em nosso exercício como proxy para o nível de utilização total da economia.
[7] A queda de 18,1% do NUCI no segundo trimestre de 2020, em relação ao segundo trimestre de 2019, foi a maior já observada ao longo da série histórica. A redução do NUCI ocorreu principalmente diante da necessidade de isolamento social e do fechamento de estabelecimentos na tentativa de conter a propagação do coronavírus.
[8] No ano de 2020 houve uma elevação de 2,0% e 2,2% nas métricas de PTF que consideram o total de horas habitualmente trabalhadas e número de pessoas ocupadas, respectivamente. Já no caso da métrica que considera o total de horas efetivamente trabalhadas o crescimento da PTF foi bem maior (6,7%).
[9] No ano de 2021 houve uma queda de 2,1% e 2,0%, nas métricas de PTF que consideram o total de horas habitualmente trabalhadas e número de pessoas ocupadas, respectivamente. Já no caso da métrica que considera o total de horas efetivamente trabalhadas a queda da PTF foi bem maior (-6,7%).
[10] No ano de 2022 houve uma queda de 2,8%, 2,6% e 2,9% nas métricas de PTF que consideram o total de horas habitualmente trabalhadas, número de pessoas ocupadas e o total de horas efetivamente trabalhadas, respectivamente.
[11] A construção dos indicadores de PTF com ajuste sazonal foi feita com base na dessazonalização de cada um dos seus componentes. Como o IBGE não divulga séries dessazonalizadas de emprego e horas trabalhadas, utilizamos o mesmo procedimento aplicado ao valor adicionado para fazer o ajuste sazonal do fator trabalho. O FGV IBRE divulga regularmente a série do NUCI com ajuste sazonal.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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