Macroeconomia

Após nova piora na margem, produtividade do trabalho fecha o ano de 2022 em queda

16 mar 2023

A volta de setores menos produtivos e de trabalhadores menos escolarizados contribuiu para um retorno ao padrão de queda da produtividade observado no período pré pandemia. 

Os eventos associados à pandemia de Covid-19 tiveram impactos negativos sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho e elevaram de forma extraordinária o nível de incerteza em relação à dinâmica dos indicadores de produtividade, especialmente no Brasil.

Nas últimas semanas foram divulgados dados de produtividade do trabalho para economias avançadas, como os Estados Unidos e Reino Unido. Nos Estados Unidos foi verificada uma queda tanto da produtividade agregada quanto da produtividade do setor manufatureiro por hora trabalhada no quarto trimestre de 2022, em comparação com o mesmo período de 2021. No Reino Unido houve queda no indicador que considera como medida do fator trabalho o número de pessoas ocupadas e na métrica que considera as horas trabalhadas.[1]

Essa heterogeneidade nos resultados da produtividade do trabalho sugere a necessidade de uma análise abrangente das medidas de produtividade calculadas para o Brasil durante o período de pandemia. Como a informação de valor adicionado é a mesma em todas as medidas, as diferenças entre os indicadores de produtividade são provenientes das discrepâncias observadas nas medidas do fator trabalho.

Desde 2019, o Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE tem divulgado estatísticas de produtividade por pessoal ocupado e por hora trabalhada. Esta última medida considera duas informações sobre o total de horas trabalhadas. A primeira são as horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações, obtidas da PNAD Contínua, que têm como referência uma semana em que não haja situações excepcionais que alterem a duração rotineira do trabalho, ou seja, uma semana típica de trabalho.[2]

A PNAD Contínua também fornece informações sobre as horas efetivamente trabalhadas na semana de referência, que podem incluir reduções por motivo de doença, feriado, falta voluntária, atraso ou por outra razão, bem como aumentos por conta de pico de produção e compensação de horas não trabalhadas em outro período.

Até o início da pandemia, os resultados obtidos a partir das duas medidas de horas trabalhadas eram semelhantes.[3] No entanto, em função das medidas de distanciamento social necessárias para conter os efeitos da pandemia, desde o primeiro trimestre de 2020 os dados da PNAD Contínua passaram a revelar um descolamento entre as diferentes medidas do fator trabalho, em especial no segundo trimestre de 2020, tal como exposto no Gráfico 1.

Gráfico 1: Taxa de crescimento do pessoal ocupado,
das horas habitualmente trabalhadas e das horas efetivamente
trabalhadas para o agregado da economia
– (Em % e em relação ao mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil

Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE
com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

Como podemos observar no primeiro trimestre de 2020, e particularmente no segundo trimestre, houve forte discrepância entre as medidas de pessoal ocupado e horas habitualmente trabalhadas, de um lado, e das horas efetivamente trabalhadas, de outro. Os dados mostram que a queda nas horas efetivamente trabalhadas foi muito maior que a observada tanto no número de pessoas ocupadas quanto nas horas habitualmente trabalhadas.[4] Esta discrepância, no entanto, foi diminuindo com a recuperação gradual ocorrida no mercado de trabalho nos trimestres seguintes. Em particular, ao longo de 2021, houve uma recuperação mais rápida das horas efetivamente trabalhadas quando comparado com o observado no emprego e nas horas habituais.[5] Ao longo de 2022 os dados apontaram uma desaceleração do crescimento das medidas do fator trabalho. No quarto trimestre de 2022 houve elevação interanual de 3,8% no número de pessoas ocupadas, de 3,7% no total de horas habitualmente trabalhadas e de 2,8% no total de horas efetivamente trabalhadas. [6]

Em consequência disso, o indicador de produtividade construído com base nas horas efetivamente trabalhadas apresentou comportamento muito diferente ao longo da pandemia quando comparado com a produtividade por pessoal ocupado e com a produtividade por hora habitualmente trabalhada, tal como apresentado no Gráfico 2.

Gráfico 2: Taxa de crescimento da produtividade agregada
com base nas diferentes medidas do fator trabalho (por hora habitualmente
trabalhada, por hora efetivamente trabalhada

e por pessoal ocupado- em % em relação ao
mesmo trimestre do ano anterior) – Brasil

Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE
com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

Para o agregado da economia, os fatos estilizados sobre a dinâmica da produtividade no Brasil até o quarto trimestre de 2019 não dependem da métrica considerada. Com o avanço da pandemia de Covid-19, no entanto, o indicador de produtividade com base nas horas efetivamente trabalhadas começou a apresentar um forte descolamento em relação aos indicadores de produtividade por hora habitualmente trabalhada e por pessoal ocupado, em especial no segundo trimestre de 2020, tal como apresentado no Gráfico 2.[7]

Por conta do processo de normalização das horas efetivamente trabalhadas houve, no primeiro trimestre de 2021, uma forte desaceleração do crescimento do indicador de produtividade que considera esta medida do fator trabalho, seguida de uma queda significativa no segundo trimestre. Já os indicadores de produtividade que consideram o número de pessoas ocupadas e o total de horas habitualmente trabalhadas tiveram desaceleração do crescimento entre o primeiro e o segundo trimestre de 2021. Os dados mostram ainda que nos dois últimos trimestres de 2021 todas as métricas apontaram um forte recuo interanual da produtividade.[8]

Este cenário de queda interanual da produtividade se manteve ao longo de 2022, embora em magnitude menor ao longo dos trimestres. Os dados do quarto trimestre de 2022 apontam para uma queda interanual de 0,9% na métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas, de 1,8% na medida que considera o total de horas habitualmente trabalhadas e de 1,9% na métrica que considera o número de pessoas ocupadas.[9]

Uma outra forma de analisar a dinâmica dos indicadores de produtividade é com base nas séries que descontam os efeitos sazonais de cada trimestre, ou seja, com base nas séries dessazonalizadas. O Gráfico 3 mostra a taxa de crescimento dos indicadores de produtividade do trabalho em relação ao trimestre imediatamente anterior.[10]

Gráfico 3: Taxa de crescimento da produtividade agregada com base
nas diferentes medidas do fator trabalho (por hora habitualmente trabalhada,
por hora efetivamente trabalhada e por pessoal ocupado - em % em relação
ao trimestre imediatamente anterior) – Brasil

Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE
com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

O Gráfico 3 mostra que, embora a produtividade tenha crescido no segundo trimestre de 2020 em todas as métricas, e no terceiro trimestre de acordo com as medidas por pessoal ocupado e horas habituais, houve queda na margem em todos os indicadores no quarto trimestre de 2020. Em 2021, houve queda na margem em todas as medidas.

Em 2022, os resultados também não foram animadores, tendo em vista que a variação de todas as métricas oscilou na margem entre queda ou ligeiro aumento. Em particular, no quarto trimestre de 2022 a produtividade por hora efetivamente trabalhada e por pessoal ocupado recuaram 0,3% e 0,1%, respectivamente. Já a produtividade por hora habitualmente trabalhada apresentou estabilidade na margem.

Estes resultados indicam que a elevação da produtividade em 2020 foi temporária, tendo sido revertida ao longo de 2021 e com continuidade da queda em 2022. Este padrão transitório fica particularmente evidenciado quando consideramos a evolução da trajetória da produtividade do trabalho desde o quarto trimestre de 2019.

Como mostra o Gráfico 4, após um salto expressivo no segundo trimestre de 2020, a produtividade por horas efetivas desacelerou nos trimestres seguintes. Em função disso, no quarto trimestre de 2022 esta medida se encontrava 0,9% abaixo do nível pré-pandemia. Na mesma base de comparação, a produtividade por hora habitualmente trabalhada estava 0,8% abaixo do nível pré-pandemia e a produtividade por pessoal ocupado 0,2% abaixo.

Gráfico 4: Evolução da Produtividade do Trabalho (4º trimestre de 2019=100)

Fonte: Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Elaboração FGV IBRE
com base nos dados das Contas Nacionais Trimestrais e da Pnad Contínua (IBGE).

No Gráfico 5 apresentamos a taxa de crescimento da produtividade do trabalho, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, para os três grandes setores da economia (agropecuária, indústria e serviços), com base nas três medidas do fator trabalho (por horas habitualmente trabalhadas, por horas efetivamente trabalhadas e por pessoal ocupado).[11]

O relatório completo pode ser acessado no Observatório da Produtividade Regis Bonelli.


[1] Nos Estados Unidos, os indicadores do Bureau of Labor Statistics (BLS) apontaram para uma queda tanto da produtividade agregada (nonfarm business sector) quanto do setor manufatureiro por hora trabalhada de 1,8% no quarto trimestre de 2022 em relação ao quarto trimestre de 2021. No ano de 2022, a produtividade agregada nos Estados Unidos teve queda de 1,7% e a produtividade do setor manufatureiro recuou 1,0%, após altas de 2,2% e 2,6%, respectivamente, em 2021. No Reino Unido os dados do Office for National Statistics (ONS) mostraram uma queda da produtividade por pessoal ocupado de 0,3% no quarto trimestre de 2022 em relação ao mesmo período de 2021. Já na métrica que considera como medida do fator trabalho o total de horas trabalhadas a queda foi um pouco menor (-0,1% na mesma base de comparação). No ano de 2022, a produtividade por pessoal ocupado no Reino Unido avançou 2,9% e a produtividade por hora trabalhada avançou apenas 0,4%, o que representa, em ambos os casos, uma desaceleração em relação ao ano de 2021, cujas altas foram de 8,3% e 1,3%, respectivamente.

[2] O total de horas habitualmente trabalhadas em todas as ocupações corresponde ao produto da jornada média pelo número de pessoas ocupadas.

[3] Este fato foi amplamente discutido nas notas anteriores, que podem ser acessadas no Observatório da Produtividade Regis Bonelli pelo link: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade/artigos/categorias/relatoriosnotas-tecnicas

[4] Em 2020, houve uma queda muito mais pronunciada das horas efetivas (-14,1%) em comparação com a população ocupada (-7,7%) e com as horas habituais (-7,5%).

[5] Em 2021, houve um avanço muito mais pronunciado das horas efetivas (13,8%) em comparação com a população ocupada (5,0%) e com as horas habituais (5,1%).

[6] Em 2022, houve crescimento de 7,4% no número de pessoas ocupadas, de 7,7% no total de horas habitualmente trabalhadas e de 7,9% no total de horas efetivamente trabalhadas.

[7] No ano de 2020, todas as medidas apontaram para uma elevação da produtividade agregada. Enquanto que a métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas apresentou forte avanço de 12,7%, as medidas que consideram as horas habitualmente trabalhadas e população ocupada cresceram 4,7% e 4,9%, respectivamente.

[8] No ano de 2021, houve queda em todas as medidas de produtividade. Em particular, enquanto que a métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas apresentou recuo de 7,9%, as medidas que consideram as horas habitualmente trabalhadas e população ocupada recuaram 0,3% e 0,2%, respectivamente.

[9] No ano de 2022, houve queda em todas as medidas de produtividade. Em particular, enquanto que a métrica que considera as horas efetivamente trabalhadas apresentou recuo de 4,5%, as medidas que consideram as horas habitualmente trabalhadas e população ocupada recuaram 4,3% e 4,1%, respectivamente.

[10] A construção dos indicadores de produtividade com ajuste sazonal foi feita com base na dessazonalização de cada um dos seus componentes. Como o IBGE não divulga séries dessazonalizadas de emprego e horas trabalhadas, utilizamos o mesmo procedimento aplicado ao valor adicionado para fazer o ajuste sazonal do fator trabalho.

[11] No site do Observatório da Produtividade Regis Bonelli disponibilizamos os indicadores de produtividade para as três medidas do fator trabalho nos doze setores da economia. O acesso à base de dados está disponível através do link: https://ibre.fgv.br/observatorio-produtividade/temas/categorias/pt-trimestral

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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