A ciência e o crescimento econômico brasileiro
Na esfera do debate público predominam dois tipos de argumento, que são: (i) o opinativo e (ii) o científico. O primeiro tem natureza bastante abrangente. Pode tanto ser sincero quanto desonesto. Por um lado, em muitos casos o argumento opinativo parte de um observador bem-intencionado, que utiliza a lógica juntamente com alguns casos conhecidos, para extrair conclusões e propor soluções. Por outro lado, em inúmeros momentos, o argumento opinativo parte de um observador desonesto, pertencente a um determinado grupo de interesse, com o intuito principal de influenciar a opinião pública em uma direção que seja favorável às demandas de sua turma.
O argumento científico tem natureza bem menos abrangente que o opinativo. Mais precisamente, o argumento científico costuma ser baseado apenas em dois alicerces principais, que são: (i) a modelagem matemática e (ii) a evidência empírica sólida. O primeiro alicerce, a modelagem matemática, tem a propriedade desejável de limitar a ocorrência de erros lógicos, que são altamente prováveis quando o raciocínio fica restrito apenas ao campo das ideias. Para entender os riscos associados a argumentos baseados puramente na lógica basta lembrar quantas vezes uma determinada inconsistência de raciocínio passa desapercebia sendo apenas detectada quando a ideia é finalmente transferida para o papel. Acredito que todos já tenham passado por alguma experiência deste tipo. Logo, me parece que todos são capazes de concordar que a modelagem matemática é extremamente importante. O segundo alicerce do argumento científico, a evidência empírica sólida, é igualmente relevante, dado que procura testar a validade prática das hipóteses utilizadas na modelagem matemática.
A principal desvantagem do argumento opinativo é a sua incapacidade de eliminar proposições falsas. Consequentemente, debates baseados em argumentos opinativos tendem a ser inconclusivos, visto que nestas discussões cada lado consegue expor argumentos lógicos, e citar casos específicos, que ajudam a sustentar seu próprio ponto de vista. Essa incapacidade de eliminar proposições falsas, intrínseca ao argumento opinativo, não aparece no caso do argumento científico. Na verdade, este outro tipo de argumento, calcado na modelagem matemática e na evidência empírica sólida, tem a vantagem de auxiliar justamente na eliminação de proposições falsas (segundo a visão de ciência defendida por Karl Popper[1]).
A disseminação continuada do argumento científico, com sua capacidade de auxiliar na exclusão de teorias erradas, tem sido extremamente importante para o avanço da humanidade. Não fosse a disseminação continuada do argumento científico provavelmente ainda haveria espaço para dúvidas sobre questões já superadas há muitos anos. Por exemplo, não fosse o avanço da ciência ainda poderíamos estar debatendo sobre o formato da Terra (ainda existe um grupo pequeno de pessoas que dúvida que a terra seja redonda, porém trata-se de um conjunto bastante reduzido de indivíduos). Ou ainda poderíamos estar discutindo sobre a possibilidade de a Terra estar localizada no centro do universo.
Diante do avanço representado pelo desenvolvimento, e posterior disseminação, do argumento científico, gostaria de fazer uma modesta proposta visando melhorar o debate público brasileiro. Sugiro que os interessados na discussão procedam da seguinte maneira ao se depararem com um novo texto ou proposição sobre algum tema relevante: (i) identificar o tipo de argumento utilizado (científico vs opinativo) e (ii) valorizar o argumento científico em detrimento do opinativo.
Infelizmente, não é o que se vê hoje no debate público brasileiro. No nosso país predominam os embates baseados principalmente em argumentos opinativos, no lugar dos científicos. Um exemplo é a recente discussão acerca da reforma trabalhista. Por um lado, os críticos das novas mudanças implementadas pelo governo apresentam principalmente argumentos opinativos (alguns exemplos podem ser vistos aqui, aqui e aqui)[2]. A mera utilização do argumento opinativo não significa desonestidade. Na verdade, minhas experiências com críticos da Reforma Trabalhista têm sido majoritariamente positivas, no sentido de que tenho debatido com pessoas honestas. Porém, apesar de suas boas intenções, os críticos da reforma trabalhista pecam por confiar demasiadamente na sua capacidade de raciocínio lógico sem procurar recorrer a ferramentas menos sujeitas a falhas, como a modelagem matemática ou a evidência empírica.
Por outro lado, os apoiadores da reforma trabalhista têm apresentado principalmente argumentos científicos, procurando sempre citar artigos acadêmicos sérios que corroboram as teses que defendem (alguns exemplos podem ser vistos aqui e aqui). É importante ressaltar, no entanto, que o argumento científico não é infalível, devendo ser constantemente questionado. Os próprios artigos que têm sido citados, em defesa da reforma trabalhista realizada recentemente no Brasil, têm inúmeras fragilidades. Porém, o que me preocupa é o fato de o debate não caminhar na direção de uma discussão mais séria. Poderíamos estar debatendo justamente sobre as fragilidades dos artigos existentes e procurando elaborar novas pesquisas capazes de oferecer evidência empírica mais robusta. No entanto, continuamos reféns das críticas pobres do debate atual que são calcadas majoritariamente em argumentos opinativos.
Felizmente ainda existem casos, no debate público brasileiro, de discussões baseadas em argumentos científicos, como o que tem sido travado aqui mesmo no BLOG do IBRE entre meus colegas Samuel Pessoa e Bráulio Borges, acerca dos efeitos da Nova Matriz Econômica (NME) sobre a economia do nosso país. Bráulio apresenta seus argumentos aqui, aqui e aqui. Samuel retruca aqui e aqui. Porém, fico triste por ter que reconhecer que embates como este travado entre o Samuel e o Bráulio, calcados em argumentos científicos, ainda são raros na esfera do debate público do nosso país.
Eu acredito que se o Brasil pretende voltar a crescer, é fundamental que deixemos de lado nossas vaidades. É imprescindível que abandonemos as nossas ideias preconcebidas. É necessário estarmos abertos a ideias opostas às nossas. Mas não basta estarmos abertos a quaisquer ideias. Temos que aprender a separar o joio do trigo, ou seja, a distinguir o argumento opinativo do científico. Só assim poderemos seguir a recomendação feita neste texto de valorizar cada vez mais o argumento científico em detrimento do opinativo. Feito isso, não tenho dúvida de que voltaremos ao caminho do crescimento, guiados cada vez mais pela ciência e menos pelas opiniões infundadas.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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