Macroeconomia

O desempenho da economia brasileira no 2º trimestre de 2020

2 set 2020

A pandemia de Covid-19 alterou rapidamente o cenário das economias ao redor do mundo. Diversos países entraram em crise quase instantaneamente, o que resultou em uma grave recessão econômica mundial de caráter inédito de acordo com o FMI. A expectativa de crescimento da economia brasileira que era, no início do ano, em torno de 2,3%, segundo a mediana do Boletim Focus do Banco Central, tornou-se negativa ao final de março e atualmente está em -5,3%. Caso esse último cenário de retração se confirme, 2020 será o ano com o maior tombo da economia brasileira em mais de 120 anos.[1]

Embora a pandemia tenha impactado diretamente a economia brasileira a partir de meados março, ou seja, nos últimos quinze dias do 1º trimestre, os primeiros efeitos negativos na economia já foram sentidos naquele período. O IBGE divulgou retração de 2,5% do PIB já no 1º trimestre com recuos sentidos em componentes de grande importância como as atividades industriais, de serviços e o consumo das famílias. Diversos setores foram fortemente impactados devido à necessidade de adoção de medidas de isolamento social para diminuir o ritmo de contágio da Covid-19.

Com o avanço da pandemia pelo país, a retração do PIB no 2º trimestre foi ainda maior, alcançando o resultado de -9,7%. Essa é a maior queda trimestral do PIB brasileiro desde o início da série histórica, em 1980.[2] Este resultado é consequência de retrações observadas em diversos componentes do PIB, mostrando uma deterioração da atividade econômica como nunca antes havia sido observada no país.

Na composição do PIB em doze atividades econômicas, quatro apresentaram o pior resultado trimestral desde 1980 no 2º trimestre deste ano, sendo todos do setor de serviços: comércio; transporte; outros serviços e administração pública.

De acordo com as Contas Nacionais, o setor de serviços representa aproximadamente 63% do PIB e 68% das ocupações do país. Em conjunto, as quatro atividades do setor que apresentaram o pior resultado no 2º trimestre deste ano, representam 46% do PIB do país e 65% do total de ocupações, ou seja, mais da metade dos empregos do país estão concentrados nestas atividades.

A atividade de Outros Serviços, além de ser a que mais emprega, também foi a que apresentou a maior retração no 2º trimestre no setor de serviços, com queda de 19,8%. Esta atividade é composta pelos segmentos de alojamento e alimentação; serviços prestados às famílias; serviços prestados às empresas; serviços domésticos; educação privada e saúde privada. Como os segmentos que compõem a atividade têm como característica serem diretamente relacionados ao atendimento de pessoas sendo, portanto, de grande importância a interação entre grandes contingentes populacionais para o seu funcionamento, foi muito impactado pela pandemia, e a necessidade de implementação de medidas de isolamento social.

Além dessa atividade, as retrações recordes no setor de serviços no 2º trimestre foram verificadas no comércio (-13,0%), transporte (-19,3%) e administração pública (-7,6%). No comércio diversos segmentos foram muito afetados, porém os segmentos de veículos, partes e peças e de vestuários, acessórios, tecidos e calçados destacam-se com as maiores quedas. De modo semelhante o transporte também foi atingido de forma disseminada, mas o modal aéreo destaca-se com retração em torno de 70% no 2º trimestre de 2020. Já a atividade de administração pública foi bastante impactada, principalmente, pela forte queda da saúde pública.

Pela ótica da demanda, o resultado do 2º trimestre também mostra retração recorde no consumo das famílias com queda de 12,5%. O aumento da incerteza em conjunto com as medidas de isolamento e o temor do contágio colaboraram para a retração desse componente com o consumo das famílias de bens duráveis e de serviços sendo bastante impactados.

Além da enorme perda social, não há dúvidas que o impacto da pandemia na economia não tem precedentes. A retração de 9,7% no 2º trimestre supera as perdas acumuladas em todas as recessões econômicas já vivenciadas no país. A última recessão brasileira, que durou do 2º trimestre de 2014 ao 4º trimestre de 2016, apresentou perda acumulada de 8,1% do PIB ao longo de onze trimestres, enquanto apenas no 2º trimestre deste ano o PIB recuou 9,7%.

Contabilizando a perda acumulada do 1º e do 2º trimestre deste ano a retração do PIB chegou a -11,9%. Esse resultado preocupa não apenas pela magnitude, mas também pelo ritmo de crescimento econômico que o Brasil apresentou nos últimos anos. De 2017 a 2019 o Brasil cresceu a uma média de 1,3%, o que é muito pouco para uma economia que havia saído de uma severa recessão encerrada em 2016. O crescimento dos últimos três anos foi tão lento que não foi suficiente para que o país retornasse ao nível de atividade que detinha no início de 2014. Com a chegada da pandemia de Covid-19 no início deste ano a situação ficou ainda mais desafiadora para a economia brasileira pois pela primeira vez entramos em um período recessivo sem termos recuperado o nível de atividade da recessão anterior. No Gráfico 2 é apresentada a evolução do PIB de 2014 até o momento atual. É possível notar que mesmo antes da pandemia chegar ao Brasil tínhamos problemas para retornar ao patamar de atividade do 1º trimestre de 2014.

Embora o resultado do 2º trimestre tenha sido o pior desempenho da economia em toda a série histórica, os resultados mensais apresentados no Monitor do PIB-FGV atualizados com as informações das Contas Nacionais Trimestrais mostram que o pior momento da atividade econômica brasileira ocorreu em abril. Os resultados de maio e de junho apresentaram crescimento, apesar de não terem sido suficientes para evitar o tombo da atividade no 2º trimestre.

O Gráfico 3 apresenta a evolução do nível da atividade econômica nos primeiros seis meses do ano. A partir de março, nota-se uma expressiva retração da atividade econômica, com recuo de 4,9% em comparação a fevereiro. Em abril esta queda se intensifica alcançado -9,6%, na comparação com março; a menor taxa de variação mensal do PIB. A partir de maio o PIB iniciou processo de retomada (0,9%), que se intensificou em junho, quando a atividade econômica cresceu 4,2%. Os resultados sugerem que o pior momento da atividade econômica ficou para trás e que a retomada deve continuar nos próximos meses.

A incerteza é maior com relação ao ritmo da retomada. A magnitude das perdas econômicas é grande e a pandemia ainda não terminou. Enquanto a pandemia não estiver controlada, será difícil vislumbrar melhora robusta da economia a ponto de recuperar as enormes perdas recordes do atual período recessivo. No entanto, mesmo antes da chegada da pandemia ao país a economia já tinha problemas econômicos que de certa forma travavam o crescimento econômico. O surgimento da vacina, portanto, não será condição suficiente para que a economia retorne ao seu maior nível de atividade, alcançado a seis anos atrás, uma vez que mesmo antes da pandemia não conseguimos retornar aquele patamar.

Isto mostra que mesmo antes da pandemia o Brasil já enfrentava desafios com condições fiscais desfavoráveis e elevado nível de incerteza que impediram uma retomada mais robusta através do aumento dos investimentos. Atualmente esses indicadores pioraram com a pandemia agravando a situação econômica do país. O fechamento de diversas empresas e o aumento do contingente de vulneráveis só ampliou nossos desafios que já são de longa data. Tal cenário indica que a recuperação da atual crise pode ser ainda mais lenta e gradual do que foi a anterior.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] A maior queda já registrada no PIB brasileiro foi de -4,3% nos anos de 1981 e 1990, de acordo com o IBGE.

[2] A maior queda da economia até então havia sido de -4,7%, no 4º trimestre de 1990, na comparação contra o trimestre imediatamente anterior. Naquela época a economia brasileira vivenciava forte instabilidade com a implementação de sucessivos planos de estabilização com objetivo de controlar a hiperinflação.

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