Macroeconomia

Produto potencial, hiato do produto e produtividade total dos fatores

11 jun 2019

Em continuidade ao post publicado neste blog em 3 de abril do corrente ano, este trabalho analisa o hiato do produto (diferença entre o PIB efetivo e o PIB potencial), entre 1980 e o primeiro trimestre de 2019, revisando a série publicada anteriormente e trazendo alguns detalhes ainda não publicados.

O Hiato do Produto Total (PIB) estimado pela função de produção

O hiato do produto pelo método da Função de Produção apresentou resultado bastante negativo (-5.6%), no primeiro trimestre de 2019, mais negativo ainda do que aquele observado até o quarto trimestre de 2018, retrato da estagnação do crescimento do produto potencial e da queda do produto efetivo, com contribuição pífia da PTF. Relembre-se que o resultado do quarto trimestre de 2018 (-4,3%) aparentava uma sutil trajetória de fechamento do hiato, quando o produto potencial apresentava crescimento de 0,4%.

A decomposição da contribuição dos fatores ao produto potencial e ao efetivo

Um exercício possível de ser feito utilizando a Função de Produção é a análise do produto efetivo e do produto potencial pela decomposição da parcela relativa à contribuição da PTF, do capital e do trabalho. O Gráfico 2 retrata inicialmente a avaliação do produto efetivo para todo o período disponível e também, separado por períodos.

Nos últimos trinta e três anos estimados, o produto brasileiro cresceu 2,5% ao ano com a contribuição principal do fator trabalho (1,1), com o capital e a PTF contribuindo igualmente com 0,7%. Tal crescimento fortemente baseado no fator trabalho, é insustentável no longo prazo, já que o aumento desse fator é reflexo do aumento do bônus demográfico durante o período associado ao crescimento da PEA. Espera-se que com o envelhecimento da população e redução da natalidade a tendência é de que o fator trabalho contribua negativamente para o crescimento do produto.

É visível como essas contribuições oscilaram de acordo com a fragmentação do período de análise. O período de maior crescimento foi o de 1985-1990 (4,3% médios ao ano), com forte contribuição da PTF (1,9%). De 2001 a 2010, o PIB cresceu 3,4%, sendo o trabalho o que mais contribuiu e a PTF apresentou a menor contribuição (1%). O período mais desastroso do período em análise foi aquele compreendido entre 2011-2019.1, com a PTF contribuindo negativamente (-0,2), o trabalho com apenas 0,3% e o capital com 1%, salientando a má alocação de recursos de capital que em nada ajudaram a PTF. Esse desempenho é alarmante já que evidencia a insustentabilidade do crescimento, dado que as economias ricas têm um crescimento sustentável baseado no aumento da produtividade, não somente na acumulação de fatores de produção.

O Gráfico 3, abaixo, decompõe o produto potencial nas parcelas relativas ao crescimento da PTF, do capital utilizado e do trabalho utilizado. As interpretações acerca do gráfico são semelhantes a interpretação do Gráfico 2, dado que as proporções de contribuição para o produto, são basicamente as mesmas, mas há algumas diferenças importantes.

Chama a atenção o fato de que o produto potencial cresceu abaixo do produto efetivo nos períodos em que foram observadas as maiores taxas de crescimento. No primeiro período que vai de 1985 a 1990, observaram-se elevadas taxas de inflação e forte redução da taxa de investimento que se revela na contribuição negativa do capital para o produto potencial. No período de 2001 a 2010 a contribuição do capital para o produto potencial se elevou, mas a da PTF se reduziu, com o fator trabalho se beneficiando dos últimos benefícios do bônus demográfico.

Nos períodos de 1991 a 2000 e de 2011 a 2019.1 o produto potencial cresceu bem acima do produto efetivo; no primeiro período houve forte contribuição do fator trabalho e reduzida do capital e da PTF. No último período o produto potencial cresceu graças a forte contribuição do capital com os fortes aportes de capital às atividades das empresas estatais ou empréstimos do BNDES; a contribuição do trabalho se reduz com o aumento do desemprego, e a contribuição da PTF se torna negativa.

O Hiato do Produto Total (PIB) estimado pela média das métricas estatísticas

O hiato do produto, de acordo com a média dos métodos estatísticos (tendência linear, exponencial e quadrática, filtro HP, médias móveis de 4 e 8 períodos), apresentou no primeiro trimestre de 2019 resultado um pouco menos negativo do que aquele da Função de Produção (-4,7%), mas também em trajetória descendente, tendo em vista o resultado de -3,7% no quarto trimestre de 2019.

O Hiato do Produto por Atividade Econômica

Indústria

A atividade industrial, que compreende as atividades de: (i) indústrias extrativas, (ii) indústrias de transformação, (iii) eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e, (iv) construção, é considerada um dos motores do crescimento da economia, pela característica de impulsionar outros setores de atividade. Por este motivo, apresenta comportamento muito semelhante ao hiato do produto total, conforme apresentado no Gráfico 5. Opera, desde o segundo trimestre de 2015, abaixo do seu potencial. Atingiu, no resultado mais recente (2019.I), o hiato mais negativo (-6,7%) da série desde 1992.

Nesta análise, destacam-se as indústrias de transformação e a construção. A transformação, operou abaixo de seu potencial durante o período 1998-2003 e, posteriormente, durante 12 anos (2003-2014) operou acima, exceto apenas no pequeno intervalo decorrente da crise de 2008. Entretanto, durante os últimos 5 anos (meados de 2014-2019) tem operado bem abaixo do seu potencial.

Por sua vez, a construção durante todo o período pós-crise mundial (2010-2015) operou bem acima de seu potencial, o que caracterizou a bolha imobiliária brasileira. No entanto, do primeiro trimestre de 2016 em diante esta atividade tem se caracterizado pela estagnação pela qual passa o país, operando em mais de 10% abaixo do seu potencial.

Serviços

A atividade de serviços é composta pelas atividades de: (i) comércio, (ii) transporte, armazenagem e correio, (iii) informação e comunicação, (iv) atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados, (v) atividades imobiliárias, (vi) outras atividades de serviços e, (vii) administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social e, em 2018, representava 63% do PIB nacional. Por esta grande representatividade, possui comportamento do hiato bastante correlacionado (93%) com o hiato do produto total. Durante os últimos quatro anos, assim como o total da economia, esta atividade opera bem abaixo do seu potencial. A exceção das atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados, que opera próximo ao seu potencial produtivo, todas as demais atividades de serviços operam bem abaixo dos seus produtos potenciais.

Conclusão

  1. A economia brasileira está operando abaixo de seu produto potencial desde o primeiro trimestre de 2015 e, no primeiro trimestre de 2019, alcançou a marca de -5,6% do hiato do produto, de acordo com o método da Função de Produção.
  2. Utilizando o método da média das métricas estatísticas cujos hiatos têm forte correlação (83%) com os hiatos da Função de Produção, o hiato do PIB se torna negativo a partir do terceiro trimestre de 2015 e estaria no primeiro trimestre de 2019 em -4,7%.
  3. Todas as atividades apresentam hiato negativo, com exceção de intermediação financeira, que apresenta um hiato de +0,2%.
  4. As demais atividades industriais – indústrias de transformação, construção e eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos têm operado abaixo de seu produto potencial desde 2015.
  5. O destaque fica para a construção, que opera muito abaixo do seu potencial.
  6. As indústrias de transformação que parecem anteceder o PIB, registraram hiatos recorrentemente negativos e altos desde 2015. 
  7. Estudos no âmbito do Núcleo de Contas Nacionais revelam que a Indústria de Transformação é responsável por cerca de 50% da Formação Bruta de Capital Fixo de máquinas e equipamentos. A maior parte da Formação Bruta de Capital Fixo (cerca de 50%) se refere à construção, cujo destino é a produção de moradias e obras públicas. Dificilmente a Indústria de Transformação vai realizar investimentos com o elevado hiato negativo que apresenta.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


 

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