Percepção dos consumidores sobre o home office no período da pandemia
A pandemia de COVID-19 impôs severas restrições à mobilidade e intensificou a adoção de novas práticas em termos de organização do trabalho. A difusão ampla do trabalho remoto ou em regime de home office, por exemplo, tornou-se necessária, levantando questões.
Para mapear a dinâmica oriunda dessa nova organização do trabalho pela perspectiva dos consumidores, foram incluídos quesitos extraordinários na Sondagem do Consumidor de setembro abordando temas como: adoção do home office; percepção sobre impacto na produtividade do trabalhador; e expectativas sobre a continuidade do trabalho remoto[1].
O resultado mostra que entre as 3383 famílias pesquisadas, 49,6% possuem pelo menos uma pessoa que trabalhou ao menos um dia da semana em regime remoto ou de home office, contra 22,9% em 2019 (Gráfico 1). A proporção de pessoas que indicaram trabalhar em regime totalmente remoto aumenta com a renda: 17,8% para os consumidores na faixa de renda mais baixa (Até R$ 2.100/mensal) e 43,3% na faixa de renda mais alta (acima de R$ 9.600/mensal) (Gráfico 2).
Gráfico 1 - Trabalho remoto e presencial em 2019 e 2021
Fonte: FGV IBRE
Gráfico 2 - Trabalho remoto e presencial em 2019 e 2021, por faixas de renda
Considerando a avaliação dos indivíduos que, tiveram experiência com trabalho remoto antes da pandemia, 55,2% observaram aumento da produtividade, contra 13,9% que sentiram redução, resultando em um saldo positivo de 41,3%. Observando por faixa de renda, nota-se que o saldo mais positivo de respostas está entre as famílias com renda entre R$4800,01 e R$ 9.600,00 (57,3%), o que contrasta com a percepção dos empresários, onde 21,6% avaliam que a produtividade sofreu aumento, enquanto 19,4% apresentaram queda (Gráfico 3).
Nota-se, portanto, que há uma diferença na percepção de empregadores e empregados sobre os impactos da nova organização do trabalho incitada pela pandemia de COVID-19, sendo mais positivos para os funcionários, possivelmente por estarem relacionados com o ganho de bem-estar. Isso porque a mobilidade urbana é um dos fatores que mais afeta o bem-estar das pessoas e o trabalho remoto possibilita uma disponibilidade maior de tempo, gerando maior qualidade de vida e consequentemente uma percepção mais favorável na visão dos consumidores.
Gráfico 3 - Produtividade do trabalho remoto ou home office comparado
com o período anterior à pandemia
Fonte: FGV IBRE
Sobre o desejo dos trabalhadores em manter o regime remoto ou home office após o período de pandemia, destaca-se que 37,5% (Gráfico 4) mostraram interesse em permanecer neste regime ao menos 5 dias da semana, sendo essa a maior preferência de dias de trabalho remoto para todas as faixas de renda. A análise por faixas de renda mostra que os consumidores de menor poder aquisitivo são os que mais gostariam de ficar 5 dias ou mais em home office, apesar de terem tido menos possibilidade de trabalhar neste regime durante a pandemia, devido ao tipo de trabalho que realizam muitas vezes não possibilitar isso. Na maioria dos casos, esses trabalhadores moram longe do trabalho e dispendem muito tempo no trânsito, ou seja, essa possibilidade de trabalho remoto lhes permitiria ter mais qualidade de vida.
Gráfico 4 - Desejo de trabalhar remotamente ou em home office após a pandemia por faixas de renda
A percepção muda quando os entrevistados avaliam qual será o posicionamento da empresa sobre essa questão: 27% dos indivíduos projetam o retorno ao regime totalmente integral, cabendo considerar que 25,1% responderam não ter empregador (autônomo, aposentados, estudantes, donas de casa, empresários) (Gráfico 5). Considerando os valores médios (Tabela 1), tem-se que os trabalhadores desejam permanecer em regime remoto por 3,1 dias, ao mesmo tempo em que esperam 1,9 dia de trabalho remoto planejado pelos empregadores, o que indica uma forte discrepância entre as expectativas dos trabalhadores e das empresas.
Gráfico 5 - Frequência com que trabalhadores gostariam de trabalhar remotamente
ou em home office após a pandemia e a proposta esperada da empresa
Fonte: FGV IBRE
As respostas do meio empresarial indicam que a leitura dos trabalhadores quanto ao posicionamento das empresas não está distante dos realmente declarados por essas, dado que na etapa pós pandemia a média de dias por semana em que os colaboradores devem permanecer em trabalho remoto ou home office é de 1,7 dia para área administrativa e 0,7 para operacional.
Tabela 1 - Média de dias por semana em que os colaboradores estão trabalhando remoto ou home office
Fonte: FGV IBRE
Esse estudo indicou que o trabalho remoto ou home office foi amplamente disseminado ao longo da pandemia, com destaque para as faixas de renda mais altas. A percepção dos trabalhadores sobre o impacto dessa modalidade de trabalho é positiva, o que indica elevado grau de satisfação. No que tange à produtividade do trabalho, a diferença entre as percepções do empresariado e dos trabalhadores pode decorrer do distanciamento físico do ambiente de trabalho, reduzindo a capacidade de vigilância por parte das empresas. Dessa forma, as concepções sobre o ritmo de trabalho entre ambas as partes podem passar a ser viesadas, o que poderia explicar a diferença na sugestão de frequência para o trabalho remoto pós a pandemia. Outra razão, seria o fato dos trabalhadores valorizarem o aumento do bem-estar conquistado com o trabalho remoto decorrente da não necessidade de deslocamento para o local de trabalho, o que não é necessariamente levado em conta pelos empregadores. Esse resultado coincide com os obtidos por Barrero, Bloom e Davis (2021) por meio de questionário a trabalhadores e empregadores norte-americanos. Segundo os autores, os trabalhadores desejam 2,2 dias em trabalho remoto por semana em média, enquanto os empregadores planejam 0,8 dia após a pandemia. O desejo de manter o trabalho remoto é tal que trabalhadores indicaram disposição em aceitar redução salarial em troca da maior flexibilidade, sendo igualmente indicado pelos trabalhadores aumento na produtividade a partir da ampla adoção dessa modalidade de trabalho promovida pela pandemia. Contudo, os autores salientam que a consolidação do trabalho remoto deverá ser mais forte entre trabalhadores mais qualificados e bem pagos. Essa assimetria observada a partir dos dados estadunidenses é igualmente esperada para o caso brasileiro.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] A análise do comportamento e percepções das empresas está disponível em http://des.sefa.fgv.br/posts/percepcao-das-empresas-sobre-o-home-office-no-periodo-da-pandemia.
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