Macroeconomia

Recessão, Covid-19 e investimentos no Brasil e no mundo

8 set 2020

O Brasil entrou numa nova recessão sem ter se recuperado totalmente das perdas da recessão anterior. Diferentemente da crise brasileira de 2014/16, que foi mais local, a crise atual é uma recessão mundial, em função da pandemia e seus impactos na economia. Com a divulgação, pelo IBGE, das Contas Nacionais Trimestrais do segundo trimestre deste ano, o PIB recuou, em termos reais, 9,7% na comparação com o primeiro trimestre  do ano, sendo esta queda a maior já registrada na economia brasileira em 40 anos, segundo dados do Monitor do PIB-FGV.[1] 

Os investimentos, motor do crescimento e o terceiro maior componente da demanda, recuaram 15,4% no segundo trimestre de 2020, estando 36,5% abaixo do nível do primeiro trimestre de 2014, o pico pré-crise 2014/16. Os impactos da crise sanitária na economia foram muito fortes e ocorreram num pequeno período, no Brasil e na maior parte do mundo. A economia foi praticamente “desligada” em quase todos os setores, e isto foi mais forte no segmento de serviços.

Numa comparação internacional, com dados trimestrais da OCDE, e uma amostra de 31 países, além do G7, o Brasil foi o quarto país em que os investimentos mais recuaram no segundo trimestre deste ano, na comparação com o primeiro trimestre (Gráfico 1). Os três países com maiores quedas dos investimentos foram Reino Unido, Espanha e Bélgica. Vale ressaltar que esses três países apresentam altas taxas de mortalidade por Covid-19, na relação por um milhão de pessoas, de 611, 625 e 853, respectivamente, taxas inclusive mais altas do que no Brasil (586).[2] A Bélgica é o terceiro país com a maior taxa de mortalidade do mundo, seguido pela Espanha (quinto) e Reino Unido (sexto). O Brasil é o nono país nessa relação, logo acima dos EUA.[3] Dentro dessa amostra, a República Checa foi o único país a apresentar variação positiva dos investimentos (0,9%). E, sua taxa de morbidade por Covid-19 é de apenas 40 mortes por um milhão de habitantes, ocupando a posição número 90 no mundo.

Como citado anteriormente, o Brasil passou por uma recessão muito forte e prolongada (onze trimestres, entre 2014 e 2016), seguido por uma recuperação lenta e gradual no triênio posterior. Foram quatro anos (2014-17) de taxas reais negativas de crescimento dos investimentos (-8,3% a.a., em média), seguido de dois anos de crescimento médio a.a. de 3,1%. Com isso, as taxas de investimentos, que estavam em 20,7% do PIB antes do começo da recessão de 2014/16, caíram para o mínimo de 14,3% no segundo trimestre de 2017. Em dados anuais, a taxa de investimento em 2017 (15,0%) foi a menor desde 1965 (14,7%). Portanto, chegou a ser o menor nível dos últimos 50 anos. Em seguida os investimentos se recuperaram um pouco, chegando ao nível de 16,3% no terceiro trimestre de 2019. Mas, com a nova recessão, recuaram para o patamar de 15,0% do PIB no segundo trimestre de 2020, mesma taxa de 2017, que tinha sido a menor desde 1965.

Em outra comparação internacional, agora com dados anuais do FMI, observa-se que, na média 2014-19, do triênio recessivo e dos três anos posteriores de recuperação (lenta e gradual) da economia brasileira, 87% dos países do mundo (148, numa amostra de 171 países) apresentaram uma taxa de investimentos maior do que o Brasil. Conforme a recessão brasileira foi aumentando, a taxa de investimentos foi diminuindo, e a proporção de países com mais investimentos foi crescendo. Essa proporção passou de 68% em 2014, para 79% no ano seguinte e 88% no último ano da recessão, tendo permanecido no patamar próximo de 90% no triênio posterior (Gráfico 2).   

A Tabela 1 abaixo mostra, também com dados anuais do FMI, a taxa de investimento do Brasil em comparação com a média do mundo, das economias emergentes e da América Latina e Caribe. E a Tabela 2 em seguida, mostra a diferença da taxa brasileira em comparação com os três conjuntos de países. Na média 2014-19, o Brasil apresentou uma taxa de investimentos em proporção do PIB de 9,5 p.p. menor do que a média do mundo e 16,2 p.p. menor do que a média dos emergentes, que tem países, principalmente China e Índia, com altas taxas. E, na comparação com a AL, a taxa de investimento brasileira foi 3,4 p.p. menor.

O Gráfico 3 mostra, por décadas, a proporção de países com taxa de investimentos (% PIB) maior do que a do Brasil desde os anos 1980. Observa-se que o Brasil sempre esteve no grupo dos países que menos investem, em comparação com o resto do mundo. Nas décadas de 1980 e 1990, por volta de 70% dos países investiram mais do que o Brasil, número que aumentou para 80% nas duas décadas seguintes,[4] mostrando que há problemas estruturais que têm limitado os investimentos, pelo menos nos últimos 40 anos. O resultado disso foram duas décadas perdidas em quatro, sendo que a década atual será “mais perdida” do que a dos anos 1980, em função da forte recessão brasileira de 2014/16, da recuperação lenta e gradual de 2017/19 e da recessão mundial de 2020.

A incerteza, econômica, mas também em relação ao próprio vírus, é muito grande, o que pode afetar o ritmo da retomada. Porém, antes da crise atual, o Brasil ainda não tinha se recuperado totalmente das perdas da recessão anterior, e já tinha problemas econômicos (fiscais, incerteza alta etc.) que travavam o aumento dos investimentos, e, por consequência, do crescimento econômico. E, os problemas estruturais, presentes há décadas, não permitem o Brasil ter mais investimentos e um crescimento da economia mais forte. Reverter esse quadro, com mais investimentos, é de fundamental importância para o país voltar a crescer, e de forma mais robusta, e com isso gerar mais empregos, que é a variável macroeconômica mais importante para a população. A tragédia da estagnação econômica brasileira, que tinha como principal consequência a tragédia social (alto desemprego), ficou mais trágica ainda com a crise atual.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] A série divulgada tem início em 2000. Futuramente a série desde 1980 será divulgada no Portal do IBRE a partir da dissertação de CUNHA (2017).  Disponível em:  

https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/17997/Dissertação%20-%20Juliana%20Carvalho%20da%20Cunha%20-%20versão%20final.pdf

[2] Dados acumulados até 03/09/20, segundo o site Worldometers. Por questões de subnotificação dos casos, um problema que ocorre no Brasil e na maioria dos países do mundo, a taxa de mortalidade pode ser um indicador “mais preciso” do que a taxa de incidência. Também podem ocorrer subnotificações de mortes, pelo menos na causa do óbito, porém numa magnitude menor do que da incidência dos casos, já que a maioria das pessoas não é testada. E é importante controlar pelo tamanho da população também, ao invés de se olhar para o número absoluto de mortes.  A taxa de mortalidade também pode gerar distorções, como San Marino sendo o país com a maior taxa, mas com 42 mortes no total, pois tem uma população bem pequena.

[3] EUA e Suécia estão com a mesma taxa (577).

[4] O período da década atual foi entre 2011 e 2019, pois não há projeções atualizadas do FMI para 2020.

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